“I want so much to open your eyes ‘Cause I need you to look into mine
Tell me that you’ll open your eyes
…
Take my hand, knot your fingers through mine And we’ll walk from this dark room for the last time”
~ Snow Patrol
Lembro-me perfeitamente da primeira vez em saímos com o Theo após o diagnóstico de autismo. Ele tinha quase dois aninhos…era mais um bebê que uma criança. Barrigudinho, rechonchudo, com aquelas bochechas que dá vontade de morder.
Fomos à Festa Junina da escolinha em uma fazendinha onde havia galinhas, coelhos, porcos, cabras, pôneis, patos e vacas. Todas as crianças enlouqueciam com os bichinhos, alimentavam as galinhas, pegavam os coelhinhos felpudos no colo…e o Theo só queria saber de correr de um lado para o outro no gramado.
Tentamos de tudo para que ele percebesse a presença daqueles animais. Mas ele, simplesmente, nem olhava. Não compartilhava. Se apontávamos para um coelho, ele virava o rosto para o lado oposto.
Exaustos física e emocionalmente, saímos de lá mais cedo e fomos pra casa. Lembro-me perfeitamente da crise de choro que tive no caminho. A ferida estava ali, aberta há poucos dias, latejando, sangrando.
Meu garotinho, quando teve o diagnóstico, enquadrava-se bem no chavão “vive em seu próprio mundo”. O bebê sorridente tinha virado uma criança séria, que passava horas de rosto no chão observando as rodas do carrinho. Parecia não perceber a vida acontecendo à sua volta. Estava totalmente fechado em seu mundo de rodinhas e dvds. Tirá-lo dali – ou, ao menos, fazê-lo perceber que havia mais coisas a descobrir, saborear e explorar – parecia impossível.
E, aos poucos, fui conhecendo outras mães. Mesmas dores, mesmos sentimentos, filhos diferentes, alguns já mais velhos. E comecei a ouvir algumas frases com uma certa frequência. “Eles melhoram! Você vai se espantar de como eles vão melhorando! Se você visse o meu filho na época do diagnóstico não acreditaria!”. Fui guardando tudo isso no coração.
Quatro anos se passaram. Moramos em Londres, uma cidade com 45% de área verde. Um dos passeios favoritos do Theo é quando eu o pego na escola e, ao invés de fazer o caminho mais curto, faço o mais longo passando por dentro do Richmond Park, que fica perto de casa. Desde que nos mudamos pra cá, comecei a fazer isso e ia explicando pra ele: “nós vamos passar dentro do parque para ver os veadinhos”. No início, ele não dava muita bola.
Ontem, ao fazer o mesmo trajeto, vi nitidamente a mudança que aconteceu de uns tempos pra cá. Parei ao lado de uma manada de veados, abri o vidro, apontei e disse: “olha, Theo, quanto veadinho! Eles estão perto do carro, olha!”. E o garotinho no banco de trás virou a cabeça, olhou, sorriu muito e quase se jogou pra fora do carro!
Os veados do Richmond Park em foto tirada ontem, da janela do carro
E, mais para a frente, algo difícil de visualizar pela posição em que o Theo se encontrava no carro: um coelho. Resolvi arriscar. “Olha, Theo, um coelho!”. E comecei a cantar a música do coelhinho. Theo se levantou do cadeirão, esticando o cinto de segurança, olhou pra fora e riu, riu muito, vendo o assustado coelhinho.
O coelhinho que atraiu a atenção do Theo
Mais à frente, outro bando de veados. Bati no vidro ao lado direito e Theo virou imediatamente a cabeça para olhar.
Fomos pra casa. Uma mãe feliz sorria no banco da frente enquanto dirigia.
Uma das coisas que eu mais aprendi a admirar morando em um país que possui, de fato, as quatro estações, é a sincronia perfeita da natureza.
Quando nos mudamos para cá, era outono. O chão estava coberto de folhas marrons e douradas. As árvores balançavam-se com o vento esticando seus galhos nus. O inverno veio, sem neve, apenas com uma fina camada de gelo que cobria os gramados verdes pela manhã. Aos poucos, o gelo foi sumindo e os gramados verdes foram adquirindo uma cor mais intensa. Até que a primavera chegou. E, subitamente, como em uma sinfonia, os patos deram filhotes, os coelhos também, e pequenas margaridas brancas brotaram em meio à grama verdinha.
A primeira vez em que vi a grama cheia de pontinhos brancos, fiquei realmente espantada. Onde estavam essas margaridas nos últimos 8 meses? Definitivamente, ninguém foi aos gramados e as plantou da noite para o dia. O mesmo aconteceu com várias outras flores, que surgiram como mágica, colorindo os gramados e alegrando a paisagem.
A verdade é que a margarida sempre esteve ali, encubadinha, escondida sob a terra, nutrindo-se das folhas que caíam no outono e da chuva que molhou a terra no inverno. Ela estava esperando somente a época certa para brotar. A época mais favorável.
Assim, também, são as habilidades dos nossos filhos. Em algumas épocas, tudo parece estar bloqueado e sufocado pelas folhas marrons. Depois, vem o gelo. Com a chuva, já conseguimos ver um gramado mais verde. E, quando menos esperamos, as margaridas e as flores de todos os tipos surgem para nos alegrar. Basta ter paciência. Basta acreditar e esperar.
Já faz alguns anos que posso dizer que o Theo voltou a sorrir.
A melhor gargalhada do mundo
E, hoje em dia, posso dizer que, com certeza, meu garotinho abriu os olhos para o mundo ao redor!
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