Ouvir do médico o que você temia dói. Dói muito.
Já fiz várias analogias com relação a isso, e aqui repito algumas: é como se o chão sob a cadeira sumisse. É como levar um soco na boca do estômago. É como estar usando uma roupa extremamente apertada que te impede de respirar direito. É como se você se descolasse do seu corpo e ficasse ali vendo um médico pragmático e dois pais completamente paralisados de medo e tristeza. É como se não fosse você ouvindo “seu filho está dentro do espectro do autismo”. Afinal, isso é o tipo de coisa que só acontece com os outros, certo?!
Após a notícia, os pais se separam em dois grupos: aqueles que entram em negação e vão a quantos médicos forem necessários até ouvirem que a criança não tem nada. E o segundo grupo dos que saem, desesperados, em busca do que fazer para ajudar o filho.
O filho…qual? É um sentimento horrível e indescritível. Parece que a criança que você conhecia morreu. E aí vem o luto pelo tal “filho idealizado”, aquele para o qual desenhamos toda uma vida nos mínimos detalhes. Aquele que iria para a escola tal, fazer intercâmbio, e que iria dançar com você na formatura da faculdade. Aquele que, um dia, te daria netinhos.
Este luto é egoísta? Sim, sem dúvidas. Choramos a nossa dor, os sonhos que nós perdemos. Mas isso é apenas parte da nossa humanidade.
E, em meio ao choro, nos pegamos olhando para nossa cria. Quem será esta criança? O que vai ser dela? Será que vai falar? Será que vai ser independente? Vai deixar as fraldas? Vai ser alfabetizada? Tantas perguntas em meio ao caos dos sentimentos. Pois é hora de conhecer ele, sim: o filho que ficou.
Um mundo de informações, umas boas e outras nem tanto. Várias opiniões divergentes. Vários relatos de sucesso, alguns até difíceis de acreditar. Em meio ao luto, já partimos para a luta: terapias, intervenções, agenda de adulto para uma criança de um metro.
É quando aquela amiga super chegada te liga. Você, que tinha se prometido manter essa história em segredo por um tempo, não aguenta e desaba ao telefone. Ela, meio perdida e sem saber o que dizer, te chama para sair, tomar um café, qualquer coisa. A resposta é “não, não tenho condições”.
A duração desse luto é muito particular. Alguns pais só saem completamente dele com ajuda profissional. Mas, com ajuda ou sem ajuda, chega uma hora em que temos que erguer a cabeça, aceitar o inevitável e lidar com o fato real que temos em mãos.
Sim, meu filho é autista. Não, o autismo não tem cura (ainda), somente tratamento. Preciso fazer o que devo (e posso) fazer e aceitar o que não posso mudar.
Esse é o momento em que, depois de tempos submersos nesse mar de escuridão, subimos à superfície e respiramos profundamente. Lutando para manter ao menos a cabeça para fora d’água, conseguimos enxergar o horizonte. O sol está se pondo, o céu mistura tons de laranja e vermelho intensos. Gaivotas voam e cruzam o sol, que parece estar mergulhando no mar. O horizonte é bonito, é muito lindo. As profundezas do mar vão continuar ali, e a luta para não afundar novamente é grande.
Mas a gente consegue! Primeiro, nos seguramos nas boias que encontramos à deriva. Na minha vida, essas boias foram pessoas muito especiais a quem devo tudo!
Aos poucos, vamos criando confiança para boiar e até nadar sozinhos. E, quando percebemos, estamos servindo de “boia” para manter outras pessoas na superfície, sempre olhando para o lindo horizonte.
Os anos passam. A vida voa. O tempo é implacável e não está nem aí para o nosso choro, os nossos dramas, as nossas questões internas. As perninhas rechonchudas daquela criança logo espicharão, as bochechas de bebê darão lugar a um rosto de menino ou menina, as calças se perderão com mais frequência e os sapatos também. E o que aproveitamos do bebê que já não é mais bebê? Será que beijamos o suficiente aquelas dobrinhas? Será que curtimos o suficiente o tempo em que cabiam no nosso colo?
Do nosso lado, as rugas chegam. A idade vem. Dizem que acordamos e, no susto, nos vemos velhos. É assim mesmo. E o que fizemos da nossa vida? Tantas coisas para provar, para conhecer, experiências para viver. Cadê tudo?
Após um diagnóstico difícil, há duas opções: passar a vida chorando e se lamentando. Ou sofrer por um tempo, levantar a cabeça e fazer o melhor que se pode fazer com aquela situação.
Seu filho não vai conseguir ficar 2 horas na festinha de aniversário do colega? Fique meia hora. Acha que vai ser difícil conter a crise de hiperatividade dele naquele restaurante? Sente em um cantinho, coloque-o entre você e seu marido/esposa, leve o tablet, brinque de cócegas enquanto a comida não chega. Não sobrou dinheiro para tirarem férias após tantos gastos com intervenções? Aproveite a sua cidade, faça programas gratuitos como ir ao parque, visite museus, respire ar puro, tire fotos de tudo! “Fazer o melhor que se pode fazer com a situação” também é desenvolver estratégias!
Se existe vida após um diagnóstico de autismo? Sim, existe! Vida em abundância, como sempre ouvi meu pai falar citando a bíblia. Vida diferente. Vida com suas belezas e peculiaridades. Com dificuldades. Vida que segue. Vida que passa. E muito rápido.
Procure ajuda, se necessário, para voltar à superfície do mar. Admire o lindo horizonte! Olhe para o lado e veja milhares de pessoas que, como você, estão conseguindo! Ajude os que ainda são puxados para o fundo por qualquer corrente. Viva e ajude a viver. Esse é o ciclo mais bonito da vida após o autismo!
Imagem: Shutterstock
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