Um relato honesto de um dia horrível…mais pra mim do que para o principal interessado
Ontem, dia 20 de dezembro, acordamos às 6:30 da manhã. Juntamos as coisas, tomamos um café rápido, alimentamos os cachorros e saímos para o aeroporto de Congonhas, onde nosso voo sairia às 8:40 para Belo Horizonte.
Há uma semana, comecei a antecipar para o Theo que iríamos ver vovó, vovô, os tios, a tia e a prima. Ele estava empolgado e ansioso, pois adora viajar de avião e, claro, adora a casa dos avós no Natal. Um dia antes da viagem, recebi mensagem da minha mãe pedindo para contar ao rapazinho que teria “milho refogado no almoço”, coisa que ele devora como se não houvesse amanhã.
Mas, voltando ao dia de ontem, meu marido nos deixou no embarque e foi para o trabalho. Ao tentar despachar a mala, percebi que tinha algo de errado com meu voo. Em meio a toda a bagunça de um aeroporto como o de Congonhas em quase véspera de Natal, procurei um atendente da Gol e ouvi o que jamais teria passado pela minha cabeça: houve um pouso de emergência no aeroporto de Confins, em BH, de madrugada. O avião, um air bus da TAM, ainda se encontrava na pista com os 8 pneus furados. Resumo: o aeroporto estava fechado, sem previsão de reabrir.
Toda mãe de criança autista pode imaginar como me senti nesse momento. Uma semana falando pro rapaz que iríamos viajar, pipipi popopó, malas feitas, a dupla no aeroporto…como eu falaria pra ele que teríamos que voltar pra casa?? Eu não conseguia pensar com muita clareza naquele momento e só falei algo como “filho, nosso avião está com problema. Vamos voltar pra casa e ver se achamos outro”.
Pausa. Cadê o choro? Cadê o “se jogar no chão”? Nada.
Chamei um táxi e voltamos para casa. Nem um pio.
Enquanto ele se distraía com o tablet, liguei na Gol. Obviamente, muita gente estava fazendo o mesmo, e tive que esperar meia hora para passar da musiquinha da espera à fala de um atendente. “Senhora, não há previsão ainda de reabertura da pista, mas podemos reagendar seu voo. O mais próximo que consigo é pra domingo à noite”. Poxa…mas iríamos voltar já na terça cedo, para podermos participar do almoço de Natal da família do marido…paciência, né?! (voz da resiliência na minha cabeça). Autorizei a mudança de voo e o atendente tentou me consolar: “se quiser reagendar de novo pra outra data, é só ligar”.
Comecei a avisar a família que “o gato tinha subido no telhado”, que talvez eu nem fosse, porque seria muito cansativo passar só um dia e voltar. Almoçamos. Zapeando no Twitter, dou de cara com uma notícia: “Infraero autoriza pousos no aeroporto da Pampulha (em BH) para remediar cancelamento de voos”. Opa! Catei o telefone novamente, deixei no viva voz enquanto a musiquinha da espera tocava, e esperei pacientemente pelo atendente. “Olha, senhora, apareceram lugares em dois voos hoje à tarde, mas saindo de Guarulhos”. Respondi prontamente “é nozes”e escolhi o voo uma hora mais tarde, às 18:40, só para garantir que conseguiria chegar. Eram 13:40 e o trânsito de São Paulo é bem imprevisível.
Escova os dentes do menino, dá banho, sai correndo esbaforida com ele para o aeroporto de Congonhas, bem perto de casa, na esperança de pegar o ônibus da Gol para Guarulhos. Afinal de contas, era de graça. Lembro de só falar algo como “conseguimos um avião, vamos agora”. Ele demonstrou um certo descontentamento (ou desorganização) na saída do prédio, mas nada grave. Me abaixei e falei com ele “mamãe está aqui. Está tudo bem. O dia de hoje está muito bagunçado mesmo, mas vai ficar tudo bem”.
Chegamos a Congonhas. Pergunto ao motorista do ônibus que horas ele sai. “Ih, dona, esse aqui só sai às 15:30”. Eram 14:30, um calor dos infernos, um menino que odeia calor dos infernos, aeroporto lotado e um Ipad com pouca bateria. A melhor solução que vi de imediato foi pegar outro táxi direto para Guarulhos. E lá fomos nós.
Chegamos às 15:40. Fui para o check in e despachei a mala. Após tudo terminado, perguntei à atendente sobre a previsão de saída do voo. O que ouvi foi “só vamos saber se a pista liberou mesmo às 20hs”. Oi? É isso mesmo? Por que a moça que remarcou meu voo não me avisou disso? Por que não fui informada de que talvez aquele voo nem saísse?
Parei logo com os questionamentos porque tinha um problema imediato para resolver: um garotinho autista, ainda de bom humor, mas que precisava de distração por longas horas de espera. Passeamos, andamos, comprei um lanchinho, sentamos próximos a uma tomada onde ele pode ver seu tablet enquanto este carregava, conheci uma mãe de um garoto autista que se aproximou assim que “notou” o Theo, passeamos mais. Voltei ao balcão de informações às 17:30 para perguntar, de novo, sobre a previsão de saída do voo. “Os voos vão COMEÇAR a sair às 19:15”. A paciência do meu filho dava sinais de já ter saído há 5 minutos. Apesar dele estar se comportando extremamente bem para a situação, começou a soltar seus “sonzinhos de infelicidade”, como dizia uma professora dele. Voltar para casa não era uma opção. Decidi, então, ir para a sogra, que morava na zona leste de São Paulo, bem mais perto.
Demoramos, mas chegamos. Ele tomou um banho, comeu, estava feliz de novo. Eu me alternava entre tentar ligar no balcão da Gol em Guarulhos (onde ninguém atendia) e olhar no aplicativo para ver o status do voo, que ainda aparecia como “no horário”, mesmo eu tendo informações de que isso não procedia.
Entre uma coisa e outra, atualizo o aplicativo: “previsto: 19:20”. Olho no relógio: eram 18:50. Corre, veste Theo, pega bolsa, e meu sogro foi nos levar. Ficamos o caminho inteiro tentando nos convencer de que aquele horário não fazia sentido e que não iríamos perder o voo. Afinal, meu voo nem era o primeiro da Gol. Então, se liberassem às 19:15, ele não sairia 19:20.
Demoramos uma hora para chegar, com todo o trânsito do horário. Saí correndo esbaforida. Falei com vários atendentes e só o quarto deles conseguiu me dar o status do voo: “está encerrado”. Oi? “Moça, pelo amor de Deus! Já fiz check in, já despachei mala, estou com o menino aqui”. Ela olha para o funcionário do lado e pergunta: “libera?”. Ao menor sinal de “sim”do rapaz, saí correndo alucinada puxando o Theo pela mão. Theo ria, achando tudo uma grande brincadeira.
O portão de embarque 218, como Murphy (o da lei) aprovaria, era lá onde Judas perdeu as botas. Eu corria e parava porque estava passando mal. Corria mais um pouco e parava porque achava que o Theo estava passando mal…e ele só ria. Quando, finalmente, conseguimos chegar, descabelados e suados, pergunto para a funcionária do portão “ainda estão embarcando o voo 1338??”. Ela responde: “Andréa e Theo? Chamamos muito vocês. Como não apareceram, o voo já fechou as portas. Não dá mais”.
Barulho de água escorrendo. É meu filho fazendo xixi nas calças. Barulho de mais água escorrendo. Abro o berreiro na frente da moça. Eu chorava de soluçar. Suada, descabelada, e chorando de soluçar. Levei esse menino 3 vezes ao aeroporto hoje, e em nenhuma delas ele embarcou. E mais choro. Ela me explicou que eu teria que desembarcar, pegar minha mala de volta, e ir até a lojinha da Gol tentar remarcar meu voo. Voltamos andando devagar. A corrida já estava perdida mesmo.
No desembarque, o funcionário da Gol me avisa “aqui vai demorar a voltar sua mala. Vai na lojinha primeiro”. Lá fomos nós. Já comecei a me sentir mal no caminho: tenho pressão baixa e sou bem intolerante ao calor. Tinha corrido vários metros rasos e não comia direito desde o almoço. Ah! E estou de dieta! Chegando à lojinha, já passei à frente e avisei que tinha uma prioridade (o Theo). Fui atendida e a moça me informou que eu teria que pagar uma taxa de remarcação. Enquanto eu tentava argumentar que a Gol fez uma baita confusão, que não fui avisada sobre o horário do voo, que ninguém sabia me falar que horas o voo sairia, e o menino autista, e a alta do dólar, comecei a passar mal de verdade. Senti que ia vomitar, as mãos formigaram, bateu uma imensa falta de ar, todos os sintomas que tenho quando vou desmaiar. Me ofereceram uma cadeira. Duas pessoas que estavam na fila atrás de mim começaram a me abanar. Eu só ouvia “abana ela! Nossa! Como está suada!”.
O que não tem remédio, remediado está. Paguei a remarcação, já que não tinha nem condições de brigar. Vamos no sábado cedo, saindo de Congonhas (se Deus quiser). Sogro pegou o Theo na lojinha. Eu descabelada, encharcada de suor, passando mal. Theo sentadinho no chão mexendo em seu Ipad, fazendo “iiiiihhhhh”. Fui buscar a mala. Esperei mais 20 minutos (sentada, sem condições de ficar de pé). Saímos de Guarulhos. Fui deitada no banco de trás do carro para me recuperar. Voltamos para a sogra. Theo tomou outro banho pra tirar o xixi. Estava feliz, dando risada. Tomou sorvete. Marido nos pegou, fomos pra casa. Banho, cama. Finalmente.
O título desse texto é “aquele dia em que (quase) tudo dá errado”. Fiz questão de colocar o “quase” porque sempre poderia ser pior. Foi pior, por exemplo, para quem estava a bordo daquele avião, com destino a Londres, e que acabou fazendo pouso de emergência no aeroporto de Confins sem saber se iria sobreviver. Foi pior para aquele piloto que se viu em um avião com falha elétrica grave, ao ponto de não saber direito nem a altitude, e conseguiu pousar seguindo instruções da torre, com um saldo de apenas 8 pneus esvaziados.
Muita coisa deu errado. Sabe o principal? Quem passou mal, chorou, se descabelou, fui eu. Quem se descontrolou, se desorganizou, fui eu. O rapazinho autista, que foi 3 vezes ao aeroporto e não pegou nenhum voo, estava bem. Muito bem. Bem humorado, inclusive.
Na hora de colocá-lo na cama, falei com ele: “Theo, hoje foi um dia horrível. Deu tudo errado, não conseguimos pegar o voo, foi cansativo. Mas você se comportou tão bem!! Você surpreendeu tanto a mamãe! Você foi lindo! Morri de orgulho de você hoje! Te amo tanto, filho!!”. E ele escutou tudo olhando para mim, com aqueles olhos que quase brilham no escuro, e com o sorriso mais lindo do mundo.
Quase tudo deu errado. Quase. O mais importante deu certo. O que vale muito mais do que voos perdidos foi incrível.
Que orgulho de ser mãe desse menino! <3
Imagem: Shutterstock