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Crianças (im)perfeitas

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Um certo dia, estava eu com o Leandro e o Theo em um café de São Paulo. Os dois adultos papeavam enquanto o garotinho comia seu bolo de banana. Quando olhei para o lado, entrou uma garota de uns 10, 11 anos no máximo…segurando seu smartphone do último modelo e uma bolsa extremamente cara de grife.

Não me entendam mal. Não tenho nada (absolutamente) contra bens de consumo aspiracionais. Mas uma menina? De 10 anos?? Fiquei pensando nos valores que esses pais estão ensinando a esta criança. Ela já está aprendendo, desde cedo, “ter” é muito importante (talvez mais do que “ser”?). Ou, quem sabe, que “parecer” é essencial.

A nossa sociedade parece obcecada com as aparências e com a perfeição. Não sei se isso é recente ou se sempre foi assim. O fato é que tenho percebido essa tendência de uns tempos pra cá. Você, mulher, tem que ser gostosa, ótima profissional, ótima mãe e ótima esposa. E o seu filho não fica atrás.

Há pouco tempo, em um dos grupos de mães com quem troco mensagens no Facebook, me deparei com algumas delas discutindo o que era mais importante: colocar o filho em uma escola bilíngue em alemão ou em inglês. Detalhe: nenhuma das crianças em questão saiu das fraldas ainda.

E, nessa blogosfera materna, me deparo sempre com a competição: mães se gabando porque o filho andou aos 9 meses, falou aos 10 meses e ouvia Mozart desde que estava no útero. Aos 8 ou 9 anos, essas crianças dividem seu tempo entre escola, inglês, judô, natação, balé, Kumon, aula de piano e o que mais puder ser enfiado na rotina diária.

As escolas parecem recusar crianças com deficiências não pela tal falta de recursos que alegam (porque, pra isso, dá-se um jeito). Mas porque querem crianças de capa de revista: as melhores, perfeitas, com notas impecáveis, sem dificuldades extras.

Escolas particulares que viraram máquinas de separar os bons dos ruins. Linhas de produção de seres humanos padronizados. Sim, seu filho tem que ser perfeito! O destaque da classe! O noivo da quadrilha da festa junina! O mais bonito!

O problema é que isso é irreal. Comparar o filho a um “homem, executivo, bem sucedido, equilibrado, atleta” do futuro é o mesmo que comparar-se com as mulheres photoshopadas e inexistentes das capas das revistas.

Não estou dizendo que não é importante investir no futuro do filho. Estou dizendo é que isso parece ter virado uma obsessão nas mães modernas.

Deixa eu contar uma coisa pra vocês: eu não sou perfeita. Nem um pouco. Nem como mulher, nem como mãe, nem como profissional, nem como esposa. De vez em quando, levo uns bons puxões de orelha do marido. E com razão. Às vezes, levo da irmã. Ela também sabe das coisas. Até as terapeutas do meu filho me trazem à realidade algumas vezes.

Vou contar outra coisa pra vocês: meu filho também não é perfeito. Ele não atingiu os marcos de desenvolvimento que a maioria das crianças atinge. Aos 7 anos, ele ainda não fala. Mas grita bastante às vezes! Ele tem sérias dificuldades para se relacionar com as outras crianças. E ele me tira do sério, às vezes, com as manias que vão e vêm. Se eu, algum dia, pretendia ser uma mãe como as que eu citei acima, esse garotinho me deu uma boa dose de realidade. E é com ele que eu tenho aprendido isso aqui: “ser feliz não significa que tudo é perfeito. Significa que você decidiu olhar além das imperfeições”.

Sim, eu tenho aprendido a olhar muito além das “imperfeições” do meu filho e das minhas próprias. E hoje, eu sei, definitivamente, que há coisas muito mais importantes do que as aparências. E olhar além das imperfeições significa valorizar tudo o que ele tem de bom.

Ele pode não ter falado no tempo certo, mas ele me beija todos os dias várias vezes. Ele pode não dançar quadrilha com os coleguinhas, mas ele brinca comigo em casa e dá gargalhadas deliciosas. Ele não vai para o inglês, o judô, o kumon, mas ele aprende, no ritmo dele, o que é ensinado.

Em um mundo tão obcecado pela perfeição, ser uma criança com deficiência é quase um ato de rebeldia. Posso dizer que meu filho “imperfeito” tem grandes desafios a vencer. Mas também traz grandes alegrias e aprendizados pra essa mãe (muito, MUITO) imperfeita!  

(Os conteúdos produzidos por Andrea Werner neste site e disponibilizados no site são protegidos por copyright e não podem ser reproduzidos, total ou parcialmente, sem autorização expressa da autora, mesmo citando a fonte)

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