Para o menino que faz “iiiii”,
Você já foi um feijãozinho dentro da minha barriga e fiquei louca de felicidade quando te descobri lá. Te esperei por toda a vida. Te encomendamos na primeira oportunidade.
Você foi um bebê de pulmões fortes, chorava alto e com vontade, e isso fazia a mamãe de primeira viagem aqui se sentir ainda mais inexperiente e incapaz. Mas, assim que os primeiros sorrisos surgiram, parece que todo o resto ficou menos importante.
E você era o “bebê sorriso”. Expunha tanto as gengivas que seus dentes logo quiseram aparecer. E foi assim que vimos os dois primeiros despontarem aos 3 meses de idade!
Você era o bebê afeto. Sempre queria alguém por perto conversando, ou mostrando algo, ou simplesmente andando com você pra lá e pra cá. E era tão gostoso quando você deitava sua cabecinha no meu ombro e eu podia cheirar seu cabelinho…cheirinho de céu!
Você sempre foi investigativo e curioso. Aos 9 meses, quando me escondi atrás do sofá e estendi a mão para cima com um fantoche de jacaré, você deu a volta, segurando com suas mãozinhas pequenas nas almofadas, chegou até mim e encostou no meu ombro. Seu olhar dizia algo como “mãe, valeu a tentativa, mas eu sei que é a sua mão”.
Você sempre amou comer, desde o leite materno, passando pela primeira maçã até todas as papinhas que tentei. Hoje em dia, costumo me referir a você como “o menino que degusta até água fazendo huuummmm”.
E você sempre foi o menino dos olhos grandes de jabuticaba. Olhos daqueles onde você vê a alma. Transparentes e cristalinos como água na folha de taioba. Ao contrário da Esfinge, seu olhar sempre disse “decifra-me e, depois, devoro-te”. Porque é impossível tentar decifrar-te sem ser totalmente envolvida e encantada por você.
Quando completou seu primeiro aninho, você continuou lindo, investigativo, esperto. Os mesmos olhos grandes e profundos tornaram-se, naquele momento, mais sérios. Quase como se você pensasse muito e o tempo todo. Sempre concentrado em algo, dificilmente percebia quando chamávamos seu nome. Os sorrisos se ocultaram um bocado e nos perguntávamos o que estava acontecendo. Até que, um ano depois, descobrimos.
Você não era o que se poderia chamar de “um garotinho comum”. Seu cérebro se desenvolveu de uma forma diferente. E esta diferença se chamava “autismo”.
Tudo que é desconhecido causa medo, pânico, muitas vezes até a dor. E, naquele momento, mamãe sentiu que não te conhecia. Que tudo o que sabia do bebê esperto, investigativo, carinhoso e com grandes olhos de jabuticaba estava errado. Mamãe sofreu o que se chama “luto”, quase como se tivesse perdido o bebê que conheceu.
Sabe, filho, em meio a todas as minhas imperfeições, muitas vezes me questiono se você também não sofreu um luto ao perceber que eu não era a mãe que você esperava, ou que pensava que eu fosse. Talvez você esperasse uma mãe que escrevesse menos e agisse mais. Ou que tivesse mais talento para te ensinar tudo o que precisa aprender. Um dia, se você me contar isso, vou entender. Eu, mais que ninguém, sei a pessoa falha que sou.
Quanto ao luto que tive, só posso te pedir perdão. Era o luto do desconhecimento e do medo.
Mas, te conto uma coisa: no momento em que te redescobri e te conheci de verdade, fui inundada novamente pelo mesmo amor que tive pelo feijãozinho na minha barriga. Pelo bebê risonho, afetuoso, comilão e investigativo. Sabe por que? Porque os enormes olhos de jabuticaba continuam ali, transparentes e cristalinos, mostrando a sua alma. E ela nunca mudou! Ela é tão linda, meu amor! TÃO linda!! Ela só se expressa de formas diferentes: são barulhinhos, beijos de boca aberta, amassos, sorrisos, e muito “iiiii”. É com ela que você toca as pessoas. É com ela que você me molda e me transforma todos os dias.
Em seus olhos vejo o meu bebê, que virou um menininho, e que agora vira um garoto de 9 anos. Já vejo alguns tímidos e finos pelinhos de bigode. O tempo passa inclusive para você. Que privilégio ter te colocado no mundo! Que privilégio ser a pessoa que mais convive com você desde que você nasceu!
É incrível aprender com você diariamente. É tocante ouvir de outras pessoas como você as ajudou sem nem mesmo saber. E é,por vezes, preocupante perceber que você se sabe diferente. Você conhece suas dificuldades. Você sabe das barreiras que ainda precisa escalar.
Pois hoje, no seu aniversário de 9 anos, estou aqui para te dizer que seguro a sua mão nesta caminhada com prazer. Me orgulho de cada nova conquista sua. E vou te ajudar a superar cada barreira com amor e paciência.
E quem sabe, quando eu estiver velhinha, ainda vou ouvir você dizer “mãe, seus olhos são grandes e expressivos como os meus. E, olhando no fundo deles, vejo a sua alma. Vejo a mãe que sempre desejei ter”.
Te amo hoje, amanhã, e até o fim desta vida!
Mamãe
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