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Por que meu filho não leva mais palmada

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Lembro-me, como se fosse ontem, da primeira vez em que dei uma palmada no Theo. 

Estávamos indo para a casa da minha sogra em uma sexta-feira à tarde. O trânsito de São Paulo, pra variar, não cooperava, e seguíamos naquele anda e para na Radial Leste. Ouvi um barulho estranho vindo do banco de trás e me virei. Foi quando percebi que o Theo tinha descoberto uma nova diversão: enfiar a mão inteira na boca até fazer vômito. Fazia isso e morria de rir. (Se você chegou a este blog agora, saiba que meu filho é autista).

Pedi a ele pra parar, tentei distraí-lo, fiz de tudo o que era possível para quem dirigia e negociava com o filho ao mesmo tempo. Não funcionou. A brincadeira continuou até o ponto em que ele, de fato, vomitou um pouco no cadeirão. O pior de tudo é que ele não parou com a concretização do processo: continuou enfiando a mão na garganta. No meu desespero, presa no trânsito, sem poder parar o carro, com medo que ele se sufocasse, fiz a única coisa que me ocorreu: virei o braço livre pra trás e acertei em cheio as perninhas dele. E a risada descontrolada parou. Dois olhos arregalados me olharam sem piscar como se falassem “foi impressão minha ou minha mãe acabou de me bater?”. A brincadeira parou. E a vida continuou.

Algumas outras palmadas vieram depois daquela. Felizmente, não foram frequentes e eu lembro perfeitamente o motivo de algumas.

Uma delas veio após uma noite cansativa passada em claro. Theo acordou às 3 da manhã e se recusou a dormir novamente. Meu marido viajava e eu fiquei ali, como um zumbi, acompanhando o garotinho que pulava na cama enquanto a noite ainda era negra do lado de fora. Às 7 da manhã, percebi que ele não dormiria mais e resolvi colocá-lo no chuveiro e prepará-lo para ir à escola. Ao sair do banho, Theo recusou-se a vestir o uniforme. E, no meio dos empurrões, dos gritos e das pernas descontroladas, perdi o resto da paciência e dei umas 3 palmadas na bunda do menininho inquieto. Ele chorou sentido, vestiu a roupa e foi para a escola.

Alguns outros episódios aconteceram. Todos, porém, tiveram algo em comum: o meu desespero ao apelar para o recurso da palmada quando simplesmente não sabia mais o que tentar. O sentimento horrível que se seguia a isso. E os resultados, na maioria das vezes, somente momentâneos. Os comportamentos indesejados voltaram a acontecer em pouquíssimo tempo. E o mais doloroso de tudo isso foi sempre o olhar do Theo, tão expressivo, externando um misto de raiva, indignação e mágoa. Uma mistura bem indigesta para uma mãe.

E o tempo foi passando. E, em fevereiro deste ano, a Lola veio fazer parte da nossa família. Há algumas semanas, comecei a notar um padrão preocupante de comportamento: quando o Theo se sente frustrado ou irritado, ele bate na Lola. Ela não entende nada e, boazinha como é, não reage.

Na semana passada, em um desses acessos de raiva, segurei firme a mãozinha dele e disse “você não pode bater na Lola! Bater é feio! Não se bate nas pessoas!”. E quase engasguei nas minhas próprias palavras. A ficha caiu dura e pesada. Dormi mal, não conseguia tirar aquilo da minha cabeça.

“Você não pode bater na Lola! Bater é feio! Não se bate nas pessoas!”

Sabe quando as nutricionistas dizem que o melhor jeito de ensinar seu filho a comer bem é comendo bem? E quando os educadores dizem que as crianças aprendem muito mais pelo exemplo que você dá do que pelo que você fala? Pois é. Eu cheguei à conclusão de que não tinha moral alguma para dizer ao Theo que “não se bate nas pessoas”. E que o meu exemplo pra ele não estava sendo correto.

Crianças autistas têm um agravante com relação às crianças típicas: elas são muito literais, e regras sociais complexas são bem mais difíceis de se entender. Um exemplo disso é a mãe que diz ao filho autista que ele tem sempre que dizer a verdade. Então, no Natal em família, a criança abre o brinquedo que a avó deu de presente, enquanto todos olham apreensivos. A avó pergunta: “e aí? Você gostou?”. E ela diz “não”. A mãe morre, o pai desmaia. Mais tarde, a mãe tenta explicar que, algumas vezes, a gente não fala a verdade para não magoar as pessoas. Ou seja: não devemos falar a verdade sempre. Aquilo, certamente, vai confundir bastante a cabeça daquela criança.

Então, para simplificar a coisa aqui em casa, se a regra é “não pode bater”, NINGUÉM pode bater. Nem a mamãe, nem o papai e nem o Theo. Certo?

E, agora que entendi isso, percebi que, da mesma forma que eu dava a palmada por estar extremamente frustrada e sem saber o que fazer para resolver o problema, Theo repetia esse comportamento com a Lola. E, agora, eu digo pra ele: “eu sei que você está frustrado e chateado, mas bater na Lola não vai resolver o seu problema. A Lola não tem culpa. Vamos tentar resolver isso de uma outra forma?”. E ainda reforço: “aqui em casa, não se bate. Bater nas pessoas é errado”. Percebi que preciso dominar os meus impulsos provenientes das emoções ruins para poder ensiná-lo a fazer o mesmo.

Tudo o que eu espero é que eu possa ser o exemplo que ele precisa. Que ele aprenda a copiar o que eu tenho de bom, e não os meus defeitos.

Para encerrar, alguns dados científicos sobre o assunto. Um estudo recente feito no Canadá por Ron Ensom e Joan Durrant (Universidade de Manitoba e Hospital Infantil de Eastern Ontario, respectivamente) analisou 36 mil pessoas durante 20 anos. A conclusão foi que nenhum tipo de punição física teve efeito positivo (aliás, muito antes pelo contrário).

Desde 1979, bater nas crianças é considerado crime na Suécia. E isso não tornou os adultos desta geração mais desestruturados ou delinquentes. A prova disso é que, recentemente, cadeias foram fechadas por falta de detentos.

Limites são necessários, sempre. Limite não é palmada. Palmada ou qualquer tipo de agressão física não só são ineficientes como mostram que você, adulto, perdeu o controle e está descarregando a sua frustração em alguém bem menor que você. Pense nisso com carinho.  

(Os conteúdos produzidos por Andrea Werner neste site e disponibilizados no site são protegidos por copyright e não podem ser reproduzidos, total ou parcialmente, sem autorização expressa da autora, mesmo citando a fonte)

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