O guest post de hoje é da queridíssima Haydée Jacques. Não me canso de falar que é uma das mães que eu mais admiro. Ela sempre tem algo a ensinar ou a acrescentar. Fora que tem um bom humor impagável. Quem conhece, sabe. E ela escreveu esse texto sensacional sobre a vida de mãe (especial ou não) com cobranças, culpas, responsabilidades, e sobre curtir a vida, porque ela é breve. Aí está! Enjoy! 🙂
Porque a vida é breve
Interessante como as fases são as mesmas, com autismo ou sem autismo,né? O autismo em nossos filhos exacerba as fases, no mais, é tudo igual.
A primeira coisa que eu penso, quando sinto o desânimo/desespero/cansaço das mães é que ninguém, aqui, é super em nada. Nós somos absolutamente normais e comuns. Aí é que reside toda a nossa grandeza, gurias, pois somos mulheres comuns de quem se exige um esforço imenso por amor. Quase sempre um amor que parece (parece, notem bem) não ser correspondido. Mas é correspondido, e nós sabemos muito bem do amor de nossos filhos.
Sabem, é muito importante aprender a analisar nossos limites e, importantíssimo, desacelerar sem cobranças ou culpas. Nós somos essenciais para nossas crianças, sem dúvida nenhuma. Somos fundamentais na manutenção de nossa família, também.
Vocês sabem, os pais podem ser fantásticos, e muitas vezes nos deixam de queixo caído (sem brincadeira, eles podem ter umas sacadas que, de tão simples, chegam a ser geniais!) mas eles precisam de nossa segurança também. Se é justo ou não, não vem ao caso, mas uma mulher equilibrada e certa das metas a atingir, quase sempre influencia o marido e todos que estão ao seu redor. As coisas funcionam muito melhor com todos em harmonia, né?
Mas…nós precisamos estar em paz conosco mesmas. Ninguém é perfeita, todos erramos. As pessoas erram de forma não intencional. Sempre, em todas as intervenções, em todas as nossas atitudes, o nosso firme objetivo era ajudar e acertar, estávamos muito certas de que era o melhor a ser feito. No momento era o acertado. Se, com o tempo, percebeu-se que não era bem desse modo, ou que foi a maior burrice, uma pisada de bola fenomenal ( tipo 9 anos de psicoterapia psicanalítica…), o que adianta eu me jogar no lixo? Tá … é ruim e eu fiquei bem furiosa, mas foi o melhor que podia fazer na época, com os conhecimentos disponíveis.
Outra coisa, como somos mães, mas não somos a mulher maravilha, ficamos cansadas fisicamente e emocionalmente exaustas. Normal. Sem culpa nenhuma. É preciso dar uma parada, um intervalo, um tempo que varia de pessoa para pessoa, take your time, como dizem tão bem os norteamericanos. Isso é importante. Às vezes, a saída está ali, na nossa frente, e estamos tão cansadas e exauridas que não conseguimos ver.
Mas queremos seguir em frente, porque não podemos parar, nosso amor e devoção parece se medir pelo número de horas que dedicamos aos nossos filhos. E nós, onde ficamos nessa equação? Não é assim que as coisas são. O que importa é qualidade. Uma mãe exausta, mesmo que ame devotadamente seu filho, não está fazendo o melhor por ele. Nossos filhos, qualquer filho, fazem parte do todo, da família. Os especiais podem dar mais trabalho, mais despesa (eheh), mas não são mais importantes, nem precisam que a família toda gire em torno deles e de suas necessidades. Muito pelo contrário, estaremos ajudando nossos autistas ao mostrar, na prática, que a vida não gira em torno deles.
E, nesse ponto, o descanso da mamãe é fundamental. Só que descanso começa de dentro para fora. Uma cabecinha fervilhando, cheia de culpas, não permite que um corpo cansado descanse como deve. Não se permitam ficar na situação em que eu fiquei, encurralada pela vida. Me sentindo enjaulada, sem ter para onde escapar. É uma sensação terrível.
Nossos filhos, por outro lado, os adolescentes, falam o que querem. Dependendo da mãe, ouvem o que não querem, eheh. Eles vão crescer, vão se tornar pessoas adultas, e vão aprender com a vida e com seus próprios erros. Só então começarão a ver como as coisas aconteceram realmente. Adolescentes veem a vida e seus acontecimentos através de lentes distorcidas. Tudo fica tão anormal. Um pão nunca é só um pão, pode ser um bolo, uma pedra, um sonho, jamais um pão. Cansativo para eles e para os pais. Lembrem-se de vocês quando eram adolescentes, quando tiverem esses entreveros com seus adolescentes. Eu, cá para nós, fui um purgante.
Sobre as manias, deixe rolar quando estiver muito cansada. É uma fase, às vezes elas duram, às vezes não, às vezes a gente intervém e abrevia, às vezes nada funciona e ela evolui como uma epidemia, ihihih, auto-limitante. A mania de jogar coisas, pelo visto, é universal. Pedro começou jogando tudo pela janela. Na boa, moro em casa. Depois evoluiu e começou a jogar pelo muro, para a casa dos nossos vizinhos, uns santos, que recolhiam tudo e devolviam uma vez por semana (baldes, tampas, controle de tv, carrinhos, almofadas, talheres, etc). Depois, ele evoluiu mais ainda e começou a jogar tudo pela janela do carro. Aí ficou um pouco mais complicado, volta e meia chegávamos a uma terapia, ou festinha, ou colégio, e o Pedro estava só com um tênis, ou uma sandália, ou nada nos pés. Fraldinhas e almofadas viviam voando pelas janelas do carro….um dia, por pouco, ele não jogou a minha bolsa! A partir daí eu só andava com a alça da bolsa presa no cinto de segurança do meu banco, eheh. Passou, nem sei bem quando.
A psicóloga tinha uma explicação muito psicanalítica, mas eu já esqueci…. Gurias, o que quero dizer, com todo esse arrazoado, é que nada é tão ruim quanto parece. Quase sempre, o que é preciso é de um pouco de persistência e bom humor. Tudo passa. Ninguém sabe do futuro, não percam o presente por uma hipótese que pode nunca sair disso. Quando estiverem muito cansadas, cheias de tudo, vão dar uma voltinha. Um café no shopping. Uma saidinha no parque. Olhar as árvores e ouvir os passarinhos. Permitam-se aproveitar a vida.
Ter um filho autista não é sinônimo de escravidão e dedicação em tempo integral à terapias e estimulações, com intervalos de culpa por não fazer mais, ou por ter feito errado. Ter um filho, qualquer filho, é motivo de alegria (e trabalho, concedo). Então, vamos nos divertir, porque a vida é breve, e o tempo é um bem que não retorna uma vez perdido.
Haydée Jacques, mãe do Pedro, 21 anos, autista
arquivo pessoal
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