No início do ano, recebi um email daqueles difíceis de acreditar. Na dúvida, cheguei a encaminhar para o marido e perguntar “você entendeu o mesmo que eu??”. Acontece que o email da Seaworld Parks Br começava contando que os parques de Orlando, agora, são certificados oficialmente como “amigos do autista” (Certified Autism Center). E terminava nos convidando para ir conhecer os parques. Parecia um sonho, já que eu mesma nunca tive condições de fazer este tipo de viagem quando era criança.
Além disso, eu teria a oportunidade de conhecer de perto um programa bacana de certificação para autismo e, quem sabe, um dia não poderia trazer isso pro Brasil?
Passado o susto e com certeza de que o convite era sério, lá fomos nós renovar o passaporte do Theo e tirar o visto americano, que ele ainda não tinha. Com tudo em mãos, esperei até a semana da viagem para começar a prepará-lo, já que Theo costuma ficar muito ansioso com antecipações muito longas e acaba perdendo o sono. Achei vídeos dos parques no Youtube, comecei a mostrar pra ele diariamente, disse que ele ia brincar muito na água e também conhecer o Elmo e o Grover, já que dois dos parques possuem uma área dedicada à Vila Sésamo, que ele ama!
O que mais me preocupava, na verdade, era o fato de que o voo ia ser diurno. Moramos 3 anos no exterior e Theo se acostumou com os voos longos, mas sempre pegávamos os noturnos, pra que ele dormisse e o impacto do tempo dentro do avião não fosse tão grande. Não havia esta opção. Então, conversei muito com ele sobre o tempo que passaríamos no avião, e que era uma etapa necessária para chegar até as sonhadas férias.
No final das contas, rolaram alguns xixis na roupa – o que já esperávamos – , mas foi bem mais tranquilo do que imaginávamos. Chegamos em Orlando e fomos recebidos no aeroporto pela Juliana, funcionária da Seaworld Parks que nos acompanharia durante toda a viagem com muito cuidado e carinho!
O Certificado de Autismo
O SeaWorld Orlando fez uma parceria com o International Board of Credentialing and Continuing Education Standards – IBCCES (algo como “Conselho Internacional de Padrões de Credenciamento e Educação Continuada). O IBCCES é líder global em treinamento online e programas de certificação.
Os funcionários dos parques do SeaWorld Orlando receberam um treinamento especializado para garantir que eles tivessem o conhecimento, as habilidades, o “jeitinho” e o expertise para servir a todas as crianças, inclusive aquelas com deficiências.
O treinamento incluiu questões sensoriais, habilidades motoras, conhecimentos sobre o autismo, desenvolvimento de atividades, habilidades sociais, meio ambiente e noções da parte emocional.
Além disso, o IBCCES elaborou um Guia Sensorial que dá um parâmetro sobre como uma criança com Transtorno de Processamento Sensorial pode ser afetada em cada um dos sentidos nas atrações do Seaworld. Você pode visualizar e baixar o guia clicando AQUI.
Dia 1 – Aquatica Orlando
O Aquatica Orlando é um parque aquático com atrações para todas as idades! Existe a área para bebês e crianças bem pequenas, um play enorme com muita diversão para os maiorzinhos, e corredeiras, toboáguas e até uma praia com ondas para a família inteira.
Nada deixa o Theo mais feliz que água, muita água! Então, eu já sabia que ia ser sucesso!
Logo na entrada do parque, já encontramos um mapa com o guia sensorial de todas as atrações:
O lugar que ele mais gostou foi o “play gigante” com muitas subidas, descidas e toboáguas para as crianças. Ficamos ali um bom tempo e ele chegava a sumir da minha vista, mas não havia motivo de preocupação, já que é tudo muito bem cercado e havia funcionários na entrada de todos os toboáguas para orientar e ajudar as crianças.
Primeira dica: capriche no filtro solar. O sol de Orlando é de rachar, e olha que fomos na primeira semana de maio, que nem é verão ainda. Pegamos temperaturas acima de 30 graus todos os dias! (Por isso, inclusive, eu jamais iria ali por livre e espontânea vontade durante o verão, em julho).
Uma coisa bacana são as cabaninhas, que você pode reservar à parte. São boas para guardar as coisas e para dar uma descansada entre uma atração e outra durante o dia. Lá tem um frigobar com água à vontade.
Para almoçar, há vários restaurantes disponíveis.
Aqui, o vídeo com o resuminho deste primeiro dia:
Dia 2 – Busch Gardens
Primeira dica que eu vou para o Busch Gardens: use sapatos e roupas confortáveis. E muito filtro solar! O parque é simplesmente ENORME e você anda muito, muito mesmo! Foi o dia mais cansativo de todos!
Passando da entrada, se você for ao “guest services” do lado esquerdo, você pode pegar o passe de acesso especial para o seu filho. O processo não é demorado e você vai ter que responder algumas perguntas para que eles entendam que tipo de atração é adequada para ele.
O passe torna o tempo de espera nos brinquedos mais gerenciável nas épocas em que o parque está cheio (o que não foi nosso caso). A regra é: se o tempo de espera na atração for menos de 30 minutos, você ganha o “fast pass” (passe rápido), ou você entra pela saída da atração e espera eles te acomodarem no brinquedo. Se o tempo de espera for superior a 30 minutos, eles marcam um horário pra você retornar. E, quando você voltar, já vai entrar direto pela saída com o “fast pass”.
O Busch Gardens tem de TUDO. Animais, shows, montanhas-russas, e até um safári (minha parte favorita).
Um pedacinho que foi muito esperado por mim foi a parte da Vila Sésamo. Eu tinha muita curiosidade sobre como o Theo iria reagir, já que ele adora ver os vídeos do Elmo e companhia, mas nunca gostou de ver gente vestida de bicho. Ele é bem racional, o que é comum nos autistas, e já passamos por situações onde ele ficou tentando tirar a cabeça da fantasia de um esquilo, desses mascotes de resort. 😀
Bom…pegamos uma pequena fila para poder tirar foto com a turma inteira da Vila Sésamo. Theo foi lá, tirou a foto bonitão, a mãe aqui quase morreu de emoção, e ele saiu de lá meio resmungando, como se tivesse cumprido uma tarefa porque sabia que a gente queria. 😀
Mas que a foto ficou linda, ficou!
Saindo da parte da Vila Sésamo, fomos a várias atrações bacanas. Theo ficou encantado com um show onde se apresentam animais que foram resgatados: cães, gatos, porcos, patos, e até um gambá!
É importante mencionar que o Busch Gardens tem um fundo de conservação que destina parte da renda dos parques a projetos de preservação da vida selvagem no mundo inteiro, inclusive no Brasil. Todos os animais que estão no parque foram resgatados ou já nasceram por lá, inclusive os de espécies ameaçadas.
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A parte favorita pra mim, sem dúvidas, foi o safári. É o único passeio dentro do parque que precisa ser agendado à parte, mas eu garanto que vale demais!
Foi uma experiência que nunca, nunquinha, vamos esquecer. E digo “vamos” porque voltei a ser criança ali. Há rinocerontes e outros animais, mas as girafas são incomparáveis! Sempre amei girafas, e Theo puxou a mãe. E poder alimentá-las tão de pertinho é demais! Não dá pra descrever a emoção que foi!
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Por fim, foi lá que o Theo andou pela primeira vez em uma montanha-russa de verdade. E eu também, diga-se de passagem. Eu não queria ser daquelas pessoas que dizem “não fui e não gostei”. Eu fui. E não gostei. Não é pra mim mesmo. Mas o rapazinho, sei lá…difícil saber, pelo fato de ele ser não verbal. Massss…quando perguntado se queria ir de novo em outro parque, ele respondeu que “ssssim”.
Aqui o vídeo do segundo dia:
Dia 3 – Seaworld
O Seaworld também é um parque grande com várias atrações diferentes.
Começamos com uma visita aos bastidores, onde vimos algumas “baleias piloto” que foram resgatadas após um suicídio em massa em uma praia da Flórida. 🙁
O veterinário responsável foi muito atencioso e até falava algum português, já que é casado com uma brasileira.
Quem gosta de montanha-russa vai curtir, porque são várias opções! Theo foi em uma tranquilinha da parte da Vila Sésamo, mas também foi na mais alta e mais rápida de Orlando: a Mako.
Nos dois últimos dias, Leandro se juntou a nós após uma viagem de trabalho. Aproveitei pra deixar que os dois fossem nos brinquedos e fiquei só esperando quietinha em baixo. 😀
A parte da Vila Sésamo no Seaworld é maior que a do Busch Gardens. Além de um encontro com os personagens, onde Theo pode tirar fotos com o Elmo e o Cookie Monster, teve um desfile bem bacana! Uma pena que estava muito quente, com muito sol, e a esportiva do Theo acabou rapidinho. Corremos com ele pra dentro de uma loja, já que tinha ar condicionado.
Aliás….
Uma coisa bacana da maioria dos parques, e que eu ainda não tinha citado, são os “quiet rooms” – quartinhos do sossego. São quartos com pufes e ar condicionado onde o autista pode “descomprimir” e se regular de novo. O único problema do quiet room do Seaworld especificamente é que, quando mais precisávamos dele, ele estava ocupado…por uma mãe com um bebê e outros filhos. Ela estava amamentando. Fica a dica pro Seaworld: um quiet room maior ou salas separadas pra amamentação.
Theo curtiu dar comida para as focas e amou a parte dos pinguins (prepare-se para o choque térmico nesse local, porque é friiiiiiiio para que seja bacana para os pinguins)!
Para completar a festa, ele ganhou vários brinquedos da turma da Vila Sésamo de presente! <3
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Aqui vai o vídeo desse dia:
Último dia – Discovery Cove
A Juliana, que nos acompanhou, disse que deixou o Discovery Cove por último porque é um parque mais “relax”. Ele é um parque formado de várias praias com vários tipos de animais (todos resgatados ou que já nasceram por lá). E, justamente pelo bem estar dos animais, o parque nunca fica “lotado”. A lotação máxima que eles permitem é baixa, o que já ajuda bastante quem vai com crianças autistas.
Fomos super bem recebidos pela gerente. A Fernanda é brasileira e nos acompanhou por boa parte do dia! <3
O Discovery Cove funciona como um resort all inclusive. Lá, comida e bebidas estão incluídas na diária.
Como a temperatura da água das praias é adequada aos animais que estão ali, algumas são frias, e você precisa colocar a roupinha de neoprene pra entrar. Theo ficou bonitão nela!
Pela primeira vez na vida, Theo topou usar uma máscara de snorkel para observar os peixes e as arraias! Caso a criança não se adapte aos óculos, eles também disponibilizam uma “lente” maior, que você coloca sobre a água e pode ir vendo tudo.
O Discovery Cove é um paraíso! Tem o aviário, onde os pássaros vêm comer literalmente em cima da gente. Tem lontras, que eu amo. Tem rios quentinhos, onde você pode ir boiando tranquilamente com a ajuda dos coletes e passando por cavernas e cachoeiras. Tem a piscina de ondas. E também tem a opção de alugar bangalôs de família, onde você encontra lanchinhos e bebidas à disposição. O nosso ficava bem ao lado da praia dos golfinhos!
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E tem a interação com os golfinhos, que é um capítulo à parte. São mais de 40 golfinhos, e a maioria nasceu lá mesmo. Conversei com uma das veterinárias, e ela me disse que o difícil é fazer com que eles não se reproduzam, porque são bichinhos felizes!
A interação é feita em grupos pequenos, na beira da praia onde eles ficam. Eles sabem exatamente o que acontece em cada grupo. Sabem que as pessoas vão querer tocá-los e tirar fotos. Sabem que vão ganhar peixes e gelatina. E vão pra lá se quiserem.
Em um determinado momento, o golfinho que estava no nosso grupo não quis mais ficar, e simplesmente foi embora. Logo apareceu outro para o lugar!
Foi uma experiência única, que tenho certeza de que Theo nunca vai se esquecer!
Aqui o vídeo do último dia:
No final…
Foram dias intensos e cansativos. Muitos estímulos sensoriais: muito calor, muitas cores, muitas imagens, muitos bichos. Também houve muita sobrecarga emocional com tantas experiências novas e intensas. O resultado disso é que, apesar de completamente exausto, Theo não conseguia “desligar” e dormir. No dia mais cansativo, do Busch Gardens, ele só conseguiu dormir à 1 da manhã.
Mas…
Eu faria tudo de novo. E de novo. Valeu a pena cada minuto.
Melhor do que estar em parques que pensam em nossos filhos autistas, foi notar que a sociedade ali também acolhe e aceita. Não há olhares tortos.
Em uma ocasião, Theo estava já cansado e sobrecarregado por causa do calor e pegou um objeto, em uma loja, e o arremessou no chão. Quebrou. Fui direto ao caixa pagar e a senhora que estava lá se recusou a receber. Disse que “claramente ele não teve essa intenção”.
Em um outro momento, em uma sorveteria, ele já estava cansado e suado e resolveu se sentar no chão, bem na fila do caixa. A moça que estava atendendo nem esperou que eu dissesse nada. Já mandou “ah, ele é autista, tudo bem! Não se preocupe!”.
Deixo a reflexão: tirando a limitação financeira, que é o maior impeditivo, o que mais leva pais de autistas a evitarem esse tipo de passeio? Seria o fato de que a maioria dos parques não são certificados como amigos do autista? Ou é a certeza de que seus filhos vão ter sobrecarga sensorial e/ou emocional em determinados momentos e serão julgados, observados e rejeitados?
Que possamos trazer esse tipo de iniciativa para o Brasil! E que possamos, também, conscientizar a sociedade sobre a diversidade para que o autista – ou a pessoa com qualquer tipo de deficiência – se sinta bem-vindo em todos os lugares.
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