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Volta às aulas e alunos com necessidades educacionais especiais

Para muita gente, a volta às aulas traz preocupações que vão muito além das providências e custos com uniformes e material escolar. Para as famílias daqueles alunos que apresentam um perfil de aprendizagem diferente do padrão (pessoas com autismo, dislexia, TDAH, deficiências diversas – visual, auditiva, motora, intelectual – superdotação e outras condições neuropsiquiátricas), essa época do ano pode vir carregada de angústias e incertezas.

Em nosso país, a maioria das escolas ainda está engatinhando no processo de sistematização das ações necessárias para a inclusão escolar. A irregularidade do suporte oferecido a cada ano nas escolas regulares, cuja qualidade, muitas vezes, depende mais da boa vontade de um ou outro profissional do que de um planejamento institucional, gera uma grande insegurança para todos os envolvidos.

Vamos tentar aproveitar o início do ano, quando todos estão voltando mais descansados do período das férias, para falar um pouco dos problemas que enfrentamos com mais frequência e de como podemos tentar mudar o jogo.

A famosa “falta de preparo”

Sim, é verdade que a grande maioria dos cursos de graduação não oferece formação adequada na área da educação inclusiva. Mas alunos de desenvolvimento atípico e/ou necessidades educacionais especiais existem, são pessoas reais e estão presentes em todas as escolas. Sempre estiveram, quer fossem reconhecidos ou não. Buscar conhecimento e capacitação é o único caminho.

Muitos professores ficam temerosos de não dar conta do recado. Eles precisam ser apoiados e assistidos pelos gestores nesse processo. As necessidades de cada aluno precisam ser identificadas para que possam ser atendidas, e a ajuda de outros profissionais que trabalham com ela (fonoaudiólogo, psicólogo, terapeuta ocupacional) é muito bem vinda nesse momento.

Um planejamento adequado, de modo geral, envolve uso de:

  1. recursos e estratégias para comunicação efetiva

  2. estruturação e sinalização do ambiente

  3. estabelecimento de rotina adequada

  4. definição de objetivos e metas

  5. acomodações e adaptações pedagógicas

  6. uso de material adaptado

  7. e, caso necessário, apoio individualizado.

É fundamental ressaltar que cada caso é um caso, não existe receita de bolo. Por essa razão, tentar implementar estratégias iguais para alunos diferentes, mesmo que tenham o mesmo diagnóstico, é improdutivo e mesmo prejudicial.

Há farto material disponível on-line para quem deseja se aprofundar um pouco. Uma sugestão para uma busca inicial pode ser encontrado na Cartilha da Inclusão Escolar, disponível para download no site www.aprendercrianca.com.br

Mudanças

Mesmo aquelas inerentes ao ambiente escolar, e que são geralmente enfrentadas com tranquilidade pelos outros alunos, como mudanças de rotina, de sala, de professores, de colegas – podem ser dramáticas para eles.

É importante que a criança seja preparada para elas com antecipação, tendo oportunidades de contato com as novidades.

Ausência de mecanismos que garantam a continuidade das adaptações pedagógicas utilizadas anteriormente (considerando que elas tenham sido instituídas).

Algumas vezes, o novo professor recebe a classe sem nenhum tipo de instrução prévia.

A alegação de que “resolvemos não passar informações sobre o aluno para que o novo professor tenha oportunidade de conhecê-lo sem nenhum rótulo e que veja por si do que ele é capaz” é equivocada, irresponsável e absurda. Revela uma atitude preconceituosa e completo desconhecimento da função das adaptações na vida do aluno (muitas vezes tomadas como “privilégios”). Gera situações infelizes e que seriam perfeitamente evitáveis, como acontece com pedidos para que o aluno disléxico leia um texto em voz alta para a classe ou ocasionando uma crise no aluno autista por falta de comunicação adequada. O estrago pode ser grande e muitas vezes gastamos um tempo precioso para ser consertá-lo.

O ideal é que o professor seja preparado, que receba o maior número de informações possíveis sobre o aluno antes mesmo de ter o primeiro contato com ele. De preferência, que tenha uma oportunidade de trocar informações com professores dos anos anteriores e, quando necessário, também com os pais e demais profissionais envolvidos nos cuidados com a criança.

É importante que o professor saiba em que áreas o aluno apresenta boa evolução ou dificuldades, quais estratégias foram úteis, quais não foram e a quem ele pode recorrer se precisar de mais orientações.

Burocracia desnecessária

Famílias são surpreendidas por pedidos de “laudos com CID atualizado”, que precisam ser entregues com urgência logo nos primeiros dias de aula, mesmo quando a criança vai permanecer na mesma escola.

Diagnósticos de condições do neurodesenvolvimento, ao contrário de condições orgânicas como pneumonia ou conjuntivite, não têm prazo de validade. Acompanham a pessoa por toda vida, pois são expressões da constituição neurológica do indivíduo.

Muitas vezes, esses pedidos são questionamentos disfarçados, quando pairam dúvidas sobre a validade dos diagnósticos ou mesmo artifícios para dificultar o acesso ao suporte pedagógico.

Claro que podem surgir dúvidas legítimas em relação a diagnósticos que se referem a algo tão dinâmico quanto o desenvolvimento humano e a plasticidade cerebral. Também é certo que, algumas vezes, o conhecimento e a experiência do profissional que emitiu o relatório inicial podem não ter sido adequados para um diagnóstico definitivo. Mas nestes casos, ao invés de disfarçar desconfianças e dúvidas na forma de pedidos inúteis, vale muito mais a pena uma conversa aberta e franca com a família, abordando os pontos observados pela equipe pedagógica. E isso não precisa ser feito às pressas e de qualquer jeito.

Aliás, outra informação que merece ser reforçada sempre:

Nenhum documento é necessário do ponto de vista legal para que a escola providencie suporte adequado para crianças que apresentem dificuldades no seu desenvolvimento ou no seu aprendizado. Adaptações e estratégias diversas podem ser implementadas independente de qualquer avaliação formal.

Esse é, na verdade, o papel de uma escola para todos.

Nos últimos anos, temos visto também pedidos de reavaliação de diagnósticos de TEA porque a criança evoluiu bem e parece ter “saído do espectro”. Ou porque o aluno disléxico está conseguindo ler. Ou porque aquele menino com TDAH que aterrorizava a classe está bem mais calmo.

Vamos lá. A criança está se comunicando com muito mais fluência e desenvoltura? Adquiriu habilidades motoras antes inexistentes? Progrediu muito na leitura e escrita? Teve uma grande melhora no comportamento e na socialização? Pois então, é exatamente para isso que trabalhamos o ano todo! Significa que o suporte oferecido está dando resultado! Não quer dizer que a condição do aluno deixou de existir, mas sim que estamos no caminho certo.

Reavaliação periódica

Da mesma forma que avaliamos a aquisição das habilidades acadêmicas em provas bimestrais ou trimestrais, devemos ajustar o suporte, ampliando ou reduzindo a oferta dos recursos e estratégias implementados, de acordo com a necessidade observada.

O aluno costuma sinalizar quando precisa ou não precisa de determinado apoio. Só precisamos estar atentos a esses sinais e também manter diálogo com a família e outros profissionais para fazer os ajustes necessários.

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Raquel Guimarães del Monde é pediatra e psiquiatra

da infância e adolescência no Núcleo Conexão, em Jaguariúna-SP

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Imagem (topo): Shutterstock

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