A fonte de informação é o que caracteriza um boato.
Normalmente, boatos começam com fontes que não são nada confiáveis. Não há números, documentos, estudos, evidências, nada. Só o que há é a palavra de alguém.
E os boatos que surgiram ligando a microcefalia à vacina tríplice não são diferentes.
Nos últimos dias, foi comum ver pessoas compartilhando um link dizendo que “Pesquisadores levantam a suspeita, que pedem para ser investigada pelo Ministério da Saúde, de que a microcefalia pode estar ligada ao vírus da rubéola. Pior: ao uso da vacina tríplice (sarampo, caxumba e rubéola) em mulheres no início da gestação, na rede pública de saúde. Essa vacinação teria sido um “erro operacional” iniciado em Pernambuco, daí a maior incidência da microcefalia naquele Estado.”
Ora, em uma situação tão alarmante, acho que é legítimo fazermos algumas perguntas básicas: quais pesquisadores? De onde? Erro operacional de quem? Como a informação vazou? Cadê as gestantes que receberam essas vacinas?
Não é muito difícil desqualificar um boato. Basta questionar.
Voltando ao assunto do post – respondendo ao texto mal feito e com base em virtualmente NADA – aí vão informações de fontes confiáveis:
O primeiro boato dizia que grávidas foram imunizadas com vacina vencida. O boato atual fala de vacinação em massa de gestantes. Segundo a dra Lavínia Shüler, presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica, não há registro de imunizações em massa de gestantes no último ano. Além disso, quando fora da data de validade, a vacina perde o seu efeito, mas não causa doenças ou problemas de saúde. Leia mais AQUI.
A vacina tríplice viral é contra indicada durante a gravidez e não faz parte do calendário recomendado pelo Ministério da Saúde. Mesmo assim, não há registros em literatura médica de bebê que tenha tido sequelas após a mãe ser imunizada acidentalmente com essa vacina durante a gestação. Fonte AQUI.
O zika vírus foi encontrado no líquido amniótico de duas grávidas que tiveram bebês com microcefalia. Fonte AQUI.
Não, a associação entre zika e microcefalia não é invenção do Ministério da Saúde. A própria OMS já emitiu um alerta global a respeito. Fonte AQUI.
Não, os casos de microcefalia não estão só em Pernambuco. Já se espalham pelo país. Fonte AQUI. Inclusive, acabou de vir à tona que o estado de São Paulo deixou de reportar cerca de 200 casos de bebês nascidos com microcefalia recentemente.
Já houve surto de zika em outros países? Sim. E microcefalia associada a zika? Segundo a Dra. Lavínia Schüler-Faccini (que já citei acima), na África, não há dados sobre má formação, pois nos países onde o vírus prevalece, como Nigéria e Uganda, a mortalidade infantil é muito alta e falta documentação básica até do registro de nascimento. Leia mais AQUI. (aliás, esta entrevista está muito completa e explica como a infecção pode causar a microcefalia)
No entanto, a Polinésia Francesa também começou a investigar casos de má formação cerebral ligados ao zika após a notificação do Brasil à OMS. E foi encontrada uma relação. Há pelo menos 17 casos entre 2014 e 2015. Fonte AQUI e AQUI.
A Lena Rodrigues é mãe de uma linda garotinha com microcefalia, modera um grupo sobre o assunto no Facebook e me mandou esta mensagem: “Oi Andréa, eu tenho uma filha com microcefalia que tem 5 anos de idade, e desde que descobri a micro dela venho pesquisando a respeito. Eu fiz um grupo no face (Pais de crianças com Microcefalia, síndromes e outras deficiências) há 1 ano e meio atrás, antes desses casos virem à tona na mídia. E com esse aumento de casos, entraram várias mamães de Pernambuco buscando informação , curiosas de como é uma criança com micro. Estou acompanhando elas e, principalmente, uma que é bem esclarecida e me disse que não tem nada disso de vacina. Elas não tomaram, até porque NÃO se toma essa vacina na gravidez. E que lá está havendo um mutirão de mães nos hospitais pra fazer exames e consultas, e todas falam a mesma coisa: tiveram Zika no inicio da gestação. E que o governo de lá, em termos de exames e consultas, está dando todo o suporte a elas. Se alguma mãe de criança com micro te procurar, pode indicar meu grupo e, se quiser divulgar ele na sua pagina, agradeço! Obrigada!”
Um estudo quentinho do CDC (Centro de Controel de Doenças dos Estados Unidos), feito com 35 crianças nascidas com microcefalia ligada ao Zika no Brasil, mostrou que a maioria dos casos é severo. Nenhum desses bebês tinha rubéola, citomegalovírus, herpes, sífilis ou toxoplasmose. AQUI tem um resumo em português.
Quer ver um vídeo bem didático, feito por quem entende do assunto, sobre o zika vírus? Aí vai:
Dica de mineira desconfiada: viu link postado nas redes sociais? Procure a fonte e veja se é confiável. Cheque os nomes. Boatos rasos, normalmente, nem os citam, mas pesquise os nomes. Plantar boatos é fácil porque a maioria das pessoas não faz esse pequeno exercício e já sai passando pra frente.
Carl Sagan dizia que “alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias”. Acho que o boato acima é bastante grave para se encaixar na categoria “alegação extraordinária”.
Parece bobagem, mas se as pessoas começarem a acreditar nesse boato, podem relaxar no uso do repelente e até no combate ao mosquito da dengue. Já pensaram no estrago?
Acredito em compartilhamento de informação com responsabilidade. O mínimo que podemos fazer nesse caso é checar.
Imagem: Shutterstock
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